Resenha Literária - "As Pílulas de Santo Cristo" (Editora Essencial)

O livro "As Pílulas de Santo Cristo" (Editora Essencial), do autor Elói Alves, nos remete a algumas referências características do centro de São Paulo, especialmente presentes na década de 1980. Algumas delas inclusive vieram à memória pois há pouco tempo, escrevi um pequeno texto remetendo à memória de meu pai, resgatando momentos em que o passeio era ambientado nesta região da cidade, destacando-se alguns locais icônicos, alguns dos quais nem mais existem. 

A temática ("Pílulas de Cristo") aliás, me trouxe à tona uma modalidade digamos assim, "nostálgica" dos jogos, bem diferentes das atuais "bets", permeadas por tecnologia, efeitos especiais atrativos e promessas de prêmios vultuosos: o jogo das tampinhas. Consiste em montar sobre uma mesa rudimentar (geralmente um empilhamento de dois ou três caixotes de madeira, um "tabuleiro" contendo três formas ou tampinhas de aço, nas quais esconde-se uma bolinha e aposta-se determinado valor para adivinhar onde ela estará após o "crupiê" (sim, assim, entre aspas...) embaralhá-las. Para "incentivar" os incautos a participarem de tal jogo, alguns "apostadores" entram com quantias significativas no jogo, demonstrando convicção de que irão ganhar e isso realmente acontece por algumas rodadas. Mas é claro: tratam-se de pessoas que fazem parte do jogo de cena, atuando como verdadeiras "iscas" de convencimento. 

Surpreendente constatar que, mesmo hoje, considerando o advento das "bets" conforme falei, jogos contidos nas plataformas de apostas online, ainda temos exemplos relativamente recentes do "jogo das tampinhas" ocorrendo em diversos rincões do Brasil...


No caso da obra de Elói Alves, o elemento utilizado para obter recursos rapidamente e em abundância, são as chamadas "Pílulas de Santo Cristo". Sob a ótica de 3 estudantes universitários, com parcas economias, atuar como uma espécie de doutores, perante um público que manifestamente necessitava de cura não somente para o corpo mas até mesmo para a alma, mostrou-se uma excelente alternativa de ganhos rápidos, práticos e fáceis. 

É fácil para nós, perante o enredo, traçarmos até um outro paralelo, igualmente famoso em relação ao conceito de "o mundo é dos espertos": a chamada "Lei de Gerson", "instituída" extraoficialmente a partir de um comercial de cigarros veiculado na década de 1970, que tinha como protagonista o jogador Gérson, tricampeão do mundo no México naquele ano. Ele ficou conhecido então como uma maneira indiscriminada e antiética de se locupletar de vantagens, mesmo em detrimento do bem-estar alheio. 


Por conta disso, a história torna-se interessante pois acaba nos levando à reflexão dos limites entre o antiético e o ilegal. Ademais, traça uma linha do tempo na qual se constata que apenas a forma foi modificada, mas o instituto "jeitinho brasileiro", às vezes exacerbado (pela corrupção), às vezes minimizado (pelas "pequenas contravenções") permaneceu ativo e pujante em nosso cotidiano, infelizmente. 

Até a próxima postagem, pessoal!

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