Resenha Literária - "Na Rua" (Maurílio de Sousa) - Editora Essencial
O isolamento pode ter diferentes facetas, tanto positivas, quanto negativas. Pelo primeiro ponto de análise, utilizamo-nos do vocábulo "solitude", em que a capacidade de afastar-se das pessoas alcança um sentido benéfico, pelo fato de proporcionar organização dos pensamentos, ideias e reflexões. Existe uma autossuficiência nisso, de forma a não haver um prejuízo psicológico, uma confusão ou falta de propósito nas ações, diferentemente da solidão, presente em muitos momentos, a qual, assim como o amor (parafraseando Camões) arde em nós sem podermos vê-la.
Apesar de estarmos cercados de pessoas e de elementos concretos em quantidade suficiente para suprir tal carência (veja que me referi à quantidade...), o vazio persiste. Uma falta de propósito combinada com uma busca incessante por uma resposta à pergunta aparentemente simples, mas que se torna extremamente complexa devido à falta de direcionamento e sentido: "que falta e qual legado deixarei aqui neste mundo, quando daqui me for"?
Afinal, somos mais de 7 bilhões de indivíduos, com múltiplas culturas, múltiplas visões sobre a existência e até mesmo sobre futuras existências em outros planos. Nossa importância, proporcional a este número, é como um grão de areia em uma praia ou em um deserto. E com isso buscamos "fazer a diferença", encontrar o nosso "norte magnético", mas a tarefa torna-se cada vez mais árdua quando não temos um ponto de apoio, um referencial de incentivo ou um propósito bem alinhado e disciplinado.
Com isso, recorremos à pior alternativa possível: o mundo dos vícios. Se na aparência é encorajador devido aos efeitos inicialmente estimulantes, o álcool, por exemplo, desencadeia, ao longo do tempo, complicações diversas no corpo humano, tais como a esteatose hepática, desidratação, dentre outras mazelas. Além disso, e até muitas vezes mais grave, nos coloca à margem da sociedade, pela alteração drástica do comportamento e da capacidade de julgamento.
O mote deste título ("Na Rua"), de Maurílio de Sousa (Editora Essencial), é justamente este: as nuances de comportamentos e situações que enfrentamos quando temos como parceiro o álcool. Incertezas, distanciamento, falta de perspectiva, até mesmo devaneios poéticos, com fatos/acontecimentos que sob uma primeira análise seriam fruto de uma abstração, circundam a vida de Alcebíades, o protagonista. Evidentemente que este fato na sociedade é amplamente abordado, notadamente quando abordamos o universo dos acidentes de trânsito causados pela mistura da bebida com a imprudência, mas no livro conseguimos colher um excerto muito pessoal de alguém que, respondendo à proposição descrita no primeiro parágrafo, não parece ter um legado a deixar.
Talvez uma parte do contexto do livro e do mundo que vivemos nos remeta à nostalgia, ao fato de que muitos pensam que as gerações passadas (da década de 1980 por exemplo), também vivenciavam determinados problemas, certamente, mas em uma intensidade diferente e com um "respiro" maior para analisar e sair de determinadas ditas "enrascadas" com um pouco mais de leveza. Tal como por exemplo, "Crocodillo Dundee", que mesclava a característica de um homem rude nos costumes, com a firmeza nos momentos de risco e também com a certa inocência em pensar que, dentro de uma conurbação urbana, a convivência e a política da "boa vizinhança" seriam fáceis.
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